Daisyane Mendes – Corevali
O projeto “Café Literário”, realizado na Penitenciária II “Dr. José Augusto César Salgado” de Tremembé desde 2016, celebra a escolha do livro “Castanhos” para uma roda de leitura na Penitenciária Masculina de Ribeirão Preto. A ação, realizada em agosto deste ano, é fruto do trabalho coordenado pelo Centro de Reintegração e Atendimento à Saúde (CRAS) da PII de Tremembé.
A obra, concebida em 2022 por um reeducando no cárcere, chamou a atenção do Observatório do Livro, uma Organização Não Governamental (Ong) de Ribeirão Preto que conta com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) para fomentar a criação de clubes de leitura em presídios.
O Café Literário, que é conduzido e mantido por custodiados que cumprem pena na PII de Tremembé, desde a sua criação tem despertado em seus participantes, além da leitura, a habilidade da escrita em diversos gêneros literários, revelando talentos intramuros.
“A produção de um livro desenvolve diversas habilidades (de comunicação, de relação interpessoal, de organização e planejamento, entre outras), amplia a busca de conhecimentos, aguça a criatividade e, por último, mas não menos importante, possui uma função terapêutica, tão importante e essencial no processo de ressocialização”, explica Adriana Campos, diretora do CRAS da PII de Tremembé. “A literatura é libertadora em todos os sentidos. Ela tem o poder de romper qualquer barreira ou obstáculo (seja físico ou emocional)”, completa Adriana.
Após o envio de alguns exemplares da obra para várias entidades, com o intuito de divulgar seu trabalho e o projeto Café Literário, a obra de Roberto chegou ao Observatório do Livro. A organização logo analisou o material e o escolheu para fazer parte do clube de leitura nos presídios.
Antes mesmo de escrever Castanhos, o reeducando Roberto Rocco*, com o apoio da família, já buscava parcerias que pudessem contribuir com a ação como um todo. Ele escreveu cartas para diversas instituições, como editoras, falando sobre o trabalho desenvolvido no ambiente prisional e seu impacto positivo para as pessoas privadas de liberdade.
Recluso há mais de 12 anos, Rocco* começou a participar do Café Literário em 2019. Além de ser um leitor voraz, na pandemia ele passou a escrever manuscritos de forma aleatória dentro do estabelecimento penal. Castanhos foi sua primeira publicação independente. “De alguns anos pra cá venho lendo de uma forma mais consistente e frequente. Com a pandemia, após ensaiar alguns contos e receber um retorno positivo e encorajador de algumas pessoas de fora, resolvi me aventurar nessa empreitada”, conta Roberto*.
O reeducando diz que ainda não se considera um escritor, mesmo sendo autor de três livros. A escrita é, de todo modo, o caminho que ele pretende seguir. “Minhas obras foram publicadas de forma independente e ainda não circulam efetivamente, mas, sim, tenho esse sonho e é o que pretendo seguir. Qual é a única forma "legal" de sair da prisão antes do tempo, a qualquer momento? Me perguntava isso enquanto viajava nos escritos de Júlio Verne, por exemplo. Então me entreguei aos meus ensaios, venci a luta interna para ultrapassar barreiras e a timidez, e comecei a usar meu tempo livre para unir palavras em frases, frases em orações, orações em parágrafos, depois em capítulos, até nascer um livro”, relembra Rocco*.
*Roberto Rocco é o pseudônimo escolhido pelo reeducando para suas publicações